Breve História sobre Caxias

Poucos ou nenhum topónimo português desfrutarão o raro privilégio do exuberante cosmopolitismo de Caxias, desde o remanso da beira – Tejo até aos horizontes de Além – Mar, repartidos por dois países, Brasil e Timor, banhados por dois oceanos, Atlântico e Índico.

Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700/69), irmão do futuro marquês de Pombal, saiu para o Brasil (1751.JUN.13) e regressou a Lisboa (1759.MAI.28), depois de exercer, no país irmão, as funções de governador e capitão – general do Grão-Pará e Maranhão. No desempenho do seu cargo, fundou “Povoações, em toda a distância do Rio das Amazonas e suas margens (…) e igualmente nas do Rio Negro, e todos os demais que se engolfam no mesmo Rio das Amazonas em mais de 800 léguas de distância, estabelecendo nelas 62 Vilas e Lugares”, tudo conforme com o modesto lugarejo de Caxias, no Amazonas: a norte, o Javari (942 km), afluente da margem direita do Amazonas constitui a fronteira do Brasil com o nordeste do Perú; a oeste, o Curuçá, desagua naquele; o topónimo ainda hoje assinala a confluência dos dois. Aqui o registamos, na esperança de que alguém, mais feliz do que nós, venha a esclarecer esta versão, sem margem para dúvidas. Verdade irrefutável é que a portugalização toponímica do setentrião brasileiro, acabou por divulgar o topónimo em mais três regiões, além da do Norte, acima referida: na de Nordeste, no Estado de Maranhão, Caxias (cidade, povoação e rio); na de Sudeste no Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias (cidade); na do Sul, no Estado de Paraná, Caxias (sitio e ribeirão) e no do Rio Grande do Sul, Caxias do Sul (cidade). Pelo menos oito topónimos, dos quais três de grandes cidades; e ainda, a distinção do título de Duque de Caxias, concedido ao coronel Luis Alves de Lima e Silva (1803/80), patrono do Exército brasileiro (1962), por isso mesmo, razão de ser do vocábulo comum caxias, sinónimo de pessoa que cumpre com extremo escrúpulo as obrigações do seu cargo ou que exige dos seus subordinados o cumprimento rigoroso das leis e regulamentos. Mas também, honroso tema para dois dos mais belos poemas de António Gonçalves Dias (1823/64), a grande figura de Caxias (Maranhão), ” A Desordem de Caxias” (Portugal, 1839) e “Ao Aniversário da Independência de Caxias” (Brasil, 1845.AGO.1), ambos dedicados à sua terra,

“Caxias, bella flor, lyrio dos valles,
Gentil senhora de mimosos campos”.

Cerca de cento e oitenta anos depois de atingir o Brasil, Caxias chegou a Timor, por inclusão no aportuguesamento toponímico de trinta e cinco vilas e povoações subscrito (1936.JUN.20) pelo governador Raul de Antas Manso Preto Mendes Cruz (1839/1945) por motivo da comemoração do décimo aniversário da Revolução Nacional (1926). Com o topónimo de Caxias do Extremo, foi então, rebaptizada a povoação de Batugadé, do posto administrativo de Balibó (1 regulado 6 sucos e 23 povoações) no concelho de Bobonaro (sede: Maliana), situada à beira do mar de Savu, perto da fronteira indónesia. Tradicional praça de Guerra, Batugadé, já tinha o monumento mais representativo do território, no seu reduto ” Conselheiro Jacinto Cândido”; o aportuguesamento toponímico veio redefini-la: Caxias (porque a sua praia apetecível se situava a poente de Nova Algés, rebaptismo de Tibar, no Concelho de Liquiçá) do Extremo (porque junto à fronteira holandesa).

Os topónimos em causa tiveram existência efémera: concorreram, nomeadamente, para tanto, a óbvia confusão postal e duas ocupações, ambas empenhadas na destruição selectiva de todos os vestígios tradicionais, a japonesa (1942/45) e a indonésia (1975/99). Mais omissão, menos distracção, foi-se esvaindo, na neblina do tempo, o sonho do governador Manso Preto, a portugalização toponímica de Timor, recriação no Índico, de um novo Portugal, com um quinto do tamanho do genuíno.

Já em pleno desenvolvimento o retorno à toponímia tradicional a invasão indonésia provocou o êxodo de algumas famílias timorenses que encontraram no concelho de Oeiras, acolhimento provisório no vale do Jamor e definitivo em Laveiras (1988.DEZ.18), nos primeiros quarenta dos quatrocentos fogos do bairro concluído em 1992, já com o nome do Dr. Francisco Sá Carneiro, que lhe fora atribuído um ano antes.

Os topónimos oficiais, 58 em Laveiras, 47 em Caxias, 25 no Murganhal, recordam a cada passo, na freguesia, lugares e pessoas que fizeram História. Na impossibilidade de referir os 130 que mereceram tal honra e tanto contribuem para a formação da identidade, aqui elegemos dois, a discreta Rua Direita de Caxias e a que homenageia Domingos António de Sequeira (1768/1837), vulto cimeiro da arte portuguesa, recolhido na Cartuxa (1798/1802), onde pintou cinco dos seus quadros.

Caxias, pouco mais de três quilómetros quadrados, do berço em Laveiras, à jovem freguesia definida, a norte e a sul, entre a auto-estrada e o Tejo; a nascente e a poente, entre as suas congéneres da Cruz Quebrada – Dafundo e de Paço de Arcos. Caxias, do Tejo ao Brasil e daí aos confins do Índico, para conviver, em Timor, com aqueles que hoje acarinha em Laveiras. Caxias, a grandeza histórica de um humilde palmo de terra.

in “Caxias – Das Origens à Freguesia, 2003” de Rogério de Oliveira Gonçalves.

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